O paulistano Sergio Sayeg (a.k.a. Sessa) lança o segundo disco de estúdio, Estrela Acesa, e sua estreia pelo selo nova-iorquino Mexican Summer. No registro, o multi-instrumentista combina sua profunda reverência pela rica herança musical do Brasil com as sensibilidades adquiridas ao longo de 15 anos de estrada.
Referências como as colaborações entre Rogério Duprat e os Tropicalistas encontram as experimentações cósmicas de Alice Coltrane e Pharoah Sanders para vestir suas letras, conhecidas por uma franqueza poética que remete a Leonard Cohen, com orquestrações que evocam as obras atemporais de Tom Jobim. Ao longo das 12 faixas, Estrela Acesa leva o ouvinte a explorar o amor carnal e espiritual em meio à esmagadora realidade do presente, encontrando prazer na escuridão.
Como tem sido lidar com a expectativa do lançamento e com um selo internacional, o Mexican Summer – casa de gente como Cate Le Bon, Connan Mockasin e Iceage -, envolvido na distribuição?
Sessa: Tem sido uma satisfação enorme lançar esse disco com a Mexican Summer. Eles são uma parte importante em fazer esse disco vir pro mundo.
Quais as principais diferenças que você percebe entre o disco de estreia, Grandeza, e o Estrela Acesa? O que você sente que mudou nos três anos que separam os dois lançamentos?
Sessa: Eu vejo o Estrela Acesa como uma certa continuação do Grandeza, não é exatamente uma linha reta que conecta os dois discos, é um belo emaranhado de tempo, ideias, emoções, mas ainda sim estão conectados. A feitura do Grandeza foi bem diferente, na época eu era músico trabalhando pra outros artistas, vivia em turnê e fui escrevendo e gravando o Grandeza nessas brechas. Tinha uma ou duas semanas entre turnês e marcava um ou dois dias no estúdio, gravava o que dava, ouvia, refazia, até juntar as músicas e montar a história do disco. A pandemia me tirou de um batidão de shows em volta do Grandeza e me deu um tempo pra ficar pensando no disco o que acabou ajudando nos conceitos, nos arranjos mais elaborados do Estrela Acesa. As gravações foram mais pá pum também. Comecei em junho de 2021 gravando bases e as minhas vozes, depois gravamos cordas e cantoras em julho, mixei em setembro e entreguei a master em outubro.
Acho que os processos também ecoam as diferenças poéticas, o Grandeza é mais imediato, mais festivo, o Estrela Acesa saiu mais meditativo.
Dentre todas as 12 faixas, você escolheu três delas – “Gostar do Mundo”, “Canção da Cura” e “Pele da Esfera” – como singles. O que tem de diferente nelas que o fez pensar que poderiam ser uma prévia significativa para mostrar o disco?
Sessa: Pois é, acho que essas três músicas mostram mesmo algumas caras do disco. “Gostar do Mundo” foi a música que me abriu a cabeça pros arranjos, foi a primeira música em que essa ideia veio mais forte, foi o arranjo que mais contribui e tem essa coisa bem forte lá, esse ângulo do disco que é uma homenagem ao trabalho dos arranjadores brasileiros, Verocai, Waltel Branco, Milito, Chiquinho de Moraes, Hermeto Pascoal.
“Canção da Cura”, talvez seja a música que mais se conecta com o Grandeza pra mim, ela é mais crua, o violão e as cantoras (Lau Ra, Ina, Paloma Mecozzi, Ciça Góes) protagonizam esse samba meio picado e torto de bateria a cargo do Biel Basile. “Pele da Esfera” acabou uma coisa muito inusitada pra mim, uma coisa de ficar surpreso mesmo com o som que saiu da gravação, esse “groovão” de baixo, numa base de bateria meio vazia. A letra também ficou engraçada, ela é meio nonsense e me faz pensar que o formato da canção na cultura brasileira é tão forte que uma vez que você apresenta essa premissa meio que vale tudo, cabem liberdades, associações menos lógicas que afrouxam o laço lógico.
Como está sentindo a recepção do público até agora?
Sessa: Tem sido muito gostoso lançar o disco, ver ele entrando na vida das pessoas, das que conheciam meu trabalho, das que estão conhecendo. Poder compartilhar esse processo muito massa de colaboração com todo mundo que fez parte do disco, ver o disco de algum jeito não ser mais meu.
Em release, você diz que o disco “olha para os céus e pondera o amor sensual e espiritual”. Podemos dizer que Estrela Acesa tem uma alegria sedutora e romântica mais evidente? Desde os versos da faixa de abertura, “Gostar do Mundo”, até o desfecho com a faixa-título?
Sessa: Olha, eu acho que enquanto cantor, compositor, enquanto alguém que tem esse trabalho de afirmar a vida do coração não tem muito jeito, o sexual e o espiritual vão estar sempre na mesa, tanto no Grandeza quanto no Estrela Acesa, quanto nos shows, quando se toca violão com essa intenção viva. São discos sobre namorar no mundo.
O quanto o trabalho é pessoal, como você declara “se amar é negócio / eu sou só o cantor” em “Que Lado Você Dorme?”, e ficcional?
Sessa: Acho que meu trabalho tem muito da minha personalidade, esse disco acabou que eu e o Biel literalmente gravamos tudo menos as cordas, então eu botei a mão em tudo mesmo, nas palavras, nos instrumentos, botões, aí é difícil isso não transbordar pelos cantos [risos]. A composição é sempre uma tensão entre as experiências pessoais e os recursos poéticos do mundo que são meio um acúmulo de contribuições humanas, a música é isso, eu ecoo algo dos uds, liras e harpas que estavam na mão dos músicos há 2 mil anos atrás.
“Que Lado Você Dorme?” brinca um pouco com essas duas polaridades entre o familiar e o estranho que podemos encontrar tanto num flerte com um desconhecido como no outro que conhecemos muito bem quando estamos numa relação longa. Ela tem essa coisa muito comum de casais terem lado na cama, mas a pergunta faz do familiar algo inusitado. Pra mim “Que Lado Você Dorme?” parece “que lado você tá?”, “qual é o seu lado?”, “o seu lado é ao meu lado?” ou “oposto ao meu lado?”. Enfim, doideras.
Quais são as principais referências musicais / artísticas e que considera que as pessoas mais reconhecem na sua música?
Sessa: Acho que minha música tem um lado muito reverente a tradição de produção musical brasileira que a gente chama de MPB, as produções desses discos clássicos, o momento da tropicália em diante, eu ouvi muito isso, é como se de ouvir tanto eu precisei fazer porque não cabia mais em mim, eu precisava contribuir de algum jeito com essas coisas, do meu jeito.
Como você procura renovar a escrita e a música a cada lançamento? É algo pelo qual você se exige ou um processo que aparece naturalmente?
Sessa: Em relação a sonoridade é algo intuitivo, pra esse disco eu fui um pouco tateando na direção de ter um som de bateria e baixo, algo que ancorasse mais o tempo, o ritmo, e esse chão meio que é a contraparte dessa energia mais aérea que vem com os arranjos de cordas, com as orquestrações, mas como eu cheguei a isso tem muito mais a ver com uma curiosidade visceral do que com algo muito lógico. Já a parte dos poemas, é mais emaranhado, eu tinha um pouco menos da metade do disco escrito, e essas canções apareceram num tempo mais próprio, mais solto, a outra parte do disco eu meio que sentei pra escrever, é prazeroso ver a coisa formando, mas as idas e vindas são tortuosas.
O que você gostaria que as pessoas levassem do Estrela Acesa para a vida depois de ouvir o disco. Tem alguma mensagem específica que queira passar?
Sessa: Uma mensagem específica não, eu acho que a poesia é justo essa possibilidade de um sentido explodido. Eu leio uma parada e isso se desdobra pra mim de um jeito, ai você lê a mesma coisa e bate diferente, esse lance. É o oposto da gente falar “você me deve 10 reais”. 10 reais é 10 reais e meio que fim de papo, e isso é uma coisa muito bonita de poder lançar o disco depois de ficar com ele na barriga por um tempo. Mas, pra não fugir da pergunta, eu gostaria de levar uma mensagem de beleza, de encantamento, de invenção e possibilidades na vida. Todo mundo sabe que o capitalismo vem nos roubar de muitas coisas essenciais só para que uns 10 homens se mantenham bilionários e a gente fica encenando essa vida esvaziada de sentido. Eu acho que a música, a arte é a invenção de sentido pra vida.
Estrela Acesa encontra-se disponível em todas as plataformas de streaming: