Liniker lança o disco de estreia solo ‘Índigo Borboleta Anil’

As primeiras letras de Liniker partiram de cartas antigas que escreveu e nunca enviou. Agora, em seu primeiro trabalho solo, Índigo Borboleta Anil, a artista compartilha as suas vivências do agora. Não é que ela não tenha olhado para o passado nessa nova construção, afinal precisou se conectar com a sua ancestralidade para se colocar por inteira nas onze canções do disco, coproduzido com Júlio Fejuca e Gustavo Ruiz.

“Eu me vejo nele. Quando eu o ouço, percebo que é um álbum de groove, um trabalho preto que circula bem no hip hop e, ao mesmo tempo, tem uma orquestra que poderia estar em um filme da Pixar. É um álbum de música do começo ao fim: nas pausas, nos silêncios, nos textos e nas trocas” comenta Liniker sobre o registro 

“Clau” inicia a sequência e dá o tom do que está por vir. Com a presença da Orquestra Jazz Sinfônica e harpas, a canção tem uma letra que homenageia Claudete, cachorra que a cantora adotou. Trata-se de um abre-alas sobre o cuidado e o afeto que permeiam o trabalho. Na sequência, vem “Antes de Tudo”, a primeira composição que a artista escreveu na vida, aos 16 anos de idade, e que teve a participação de Letieres Leite e da Orkestra Rumpilezz.

Em inglês, “Lili” é a maneira como a artista pincela os sons que escutou ao longo da vida, como Diana Ross, Barry White e Stevie Wonder. “Psiu” foi um dos singles lançados previamente, assim como “Baby 95” e “Presente” (esta foi apresentada pela primeira vez no programa COLORS e, agora, chega totalmente repaginada, incrementada com novos elementos, como sopros, percussão e mpc).

“Lua de Fé” representa a intuição que é tão importante nas vivências da artista. O ponto de partida para essa criação surgiu de um abraço que ela deu na cantora e compositora Luedji Luna e, nessa troca, Liniker sentiu que a amiga estava grávida. “Eu senti a energia da criança e eu não sabia da gravidez. Acho bonito poder cantar sobre o nascimento do filho de uma contemporânea e de uma pessoa pela qual eu tenho uma verdadeira paixão artística”, diz Liniker. A canção, inclusive, entra em um campo maternal que se conecta com a faixa seguinte: “Lalange”.

Com uma introdução narrada, “Lalange” fala sobre a criança de Liniker e também sobre Miguel Otávio Santana, menino de 5 anos de idade que caiu do nono andar de um prédio de luxo, no Recife, e que estava aos cuidados da patroa de sua mãe, Mirtes Renata Souza. “Eu quis falar das nossas crianças, além dessas mães que estão cansadas e que não aguentam mais chorar”, compartilha. “É uma maneira de devolver essa música para minha mãe, para Mirtes e para o Miguel”, comenta. A presença da voz de Milton Nascimento dá uma dimensão ainda maior à produção.

“Ter o Milton Nascimento ali, foi como olhar para a minha ancestralidade em tempo real. Frequentemente, o sonho não é permitido para as pessoas pretas. Milton representa essa possibilidade. Eu olho para a minha criança, que é o meu passado, vejo o meu presente e olho para o futuro e, nesse fluxo, Milton é a minha seta”, comenta.

“Diz Quanto Custa” é um samba rock e entra na reta final do álbum, trazendo o groove e a cadência que Liniker cresceu ouvindo dentro de casa. “O significado dessa música é muito especial, porque ela me diz que consegui chegar no âmago das minhas referências. É um samba rock para minha mãe dançar”, afirma. “Sou grata pela produção do Júlio Fejuca e do Gustavo Ruiz, nesse sentido. Eles trouxeram os universos deles, que, quando somados com os meus, deram muita liga. Conseguiram entender o que eu queria passar com o meu som”, complementa. A faixa traz ainda a voz de Tássia Reis, coros de Tulipa Ruiz e DJ Nyack.

“Vitoriosa” encerra Índigo Borboleta Anil em festa. É um grito em formato de samba-enredo. “Quero que a alegria seja uma condição de todas nós. Quando eu me coloco como vitoriosa, é uma forma de estar politicamente ativa também”, afirma Liniker.

Há ainda a faixa bônus “Mel”, que mostra um pouco dos bastidores do estúdio, levando o público para dentro do processo de gravação. Foi este clima que tornou possível a concepção de um trabalho em que a voz da artista pudesse estar conectada com todos os instrumentos, sem precisar competir com outros sons. Um mergulho de Liniker que dizia não saber contar gotas e aprendeu a nadar.