6 discos para ouvir hoje: Self Esteem, Samia, Maria Usbeck, Maria Somerville e mais

Self Esteem / Divulgação

Confira alguns dos principais lançamentos da semana para atualizar a sua playlist de discos favoritos. Entre eles estão os novos trabalhos de: Self Esteem, Samia, Maria Usbeck, Tennis, Bells Larsen e Maria Somerville.

Self EsteemA Complicated Woman
(Polydor)

Self Esteem, projeto da britânica Rebecca Lucy Taylor, lança seu terceiro álbum, A Complicated Woman – uma obra ambiciosa, repleta de pop contagiante e ousadias sonoras. A faixa de abertura, “I Do And I Don’t Care”, apresenta camadas vocais que ecoam o título como um mantra, enquanto a artista aborda temas como indiferença e fragilidade, questionando a contradição entre força e insegurança (“se sou tão poderosa / por que sou tão covarde? / se sou tão forte / por que estou quebrada?”).

Em “Focus Is Power”, uma balada grandiosa, pianos delicados e cordas dramáticas se unem a um refrão emocionante, refletindo a jornada da artista em busca de autoconhecimento e autoaceitação. Já “Mother”, com batidas pesadas que remetem às pistas de dança dos anos 90, discute a pressão social sobre mulheres que assumem o papel de cuidadoras em relacionamentos.

A introspectiva “Cursed” é um desabafo íntimo de Taylor e sua luta com o álcool durante a divulgação do álbum Prioritise Pleasure (“se estou sóbria ou bêbada / ainda sou eu no meio do problema”), explorando a linha tênue entre vício e autossabotagem. Em “Logic, Bitch!”, uma parceria com Sue Tompkins, arranjos de cordas intensificam a narrativa sobre um amor passado que permanece vivo na memória.

“Cheers To Me” combina melodias eletrônicas cativantes com letras que falam de solidão e relacionamentos fracassados, mas também celebra a superação. Enquanto isso, “If Not Now, It’s Soon” – com sua instrumentação épica e coros vigorosos – remete ao período turbulento da artista antes da fama, marcado por excessos e uma busca por identidade, que mais tarde inspiraria a criação do Self Esteem.

“In Plain Sight”, com a participação da sul-africana Moonchild Sanelly, fala sobre a opressão de ser julgada, mas também sobre a libertação dessas amarras. A faixa “Lies”, em colaboração com Nadine Shah, é uma explosão de energia e agressividade que critica a exaustão de viver sob máscaras para agradar aos outros.

Em “69”, que mescla elementos de house com um toque hipersexual e político, Taylor mergulha em uma discussão rejeitando posições tradicionais em favor de práticas que priorizem o prazer mútuo. Já “What Now” abandonada as instrumentações, deixando apenas vozes em harmonia para refletir sobre medos e frustrações. Por fim, “The Deep Blue Okay” começa minimalista, com notas de piano repetitivas à la “All My Friends” do LCD Soundsystem, que se repetem em um ritmo constante, até explodir em arranjos orquestrais e coros majestosos, encerrando o álbum com uma reflexão sobre culpa e expectativas sociais.

Com A Complicated Woman, Self Esteem consolida seu lugar no pop contemporâneo, unindo crueza autobiográfica, estética teatral e feminismo incisivo em um trabalho que vai muito além da música.

SamiaBloodless
(Grand Jury Music)

No terceiro álbum, Bloodless, sucessor de Honey, Samia explora temas como o conforto encontrado no vazio e a ideia de que a existência pode ser uma mera ilusão. A artista navega por mistérios não solucionados e pela noção de que as sombras podem superar em grandeza seus objetos de origem. Com composições poéticas e arranjos que transitam entre o folk e o indie pop, a artista constrói um universo sonoro profundamente pessoal e repleto de nuances.

A faixa inicial, “Bovine Excision”, é uma balada folk delicada inspirada no estranho fenômeno da extração cirúrgica de órgãos bovinos sem derramamento de sangue – uma metáfora para a autodestruição. O verso “e drenado, drenado sem sangue” ecoa de forma poderosa, remetendo ao título do álbum. Já “Hole In A Frame” reflete sobre um pedaço de parede emoldurado em uma casa de shows de Tulsa, onde Sid Vicious, em 1978, deixou sua marca ao criar um buraco – uma ausência transformada em monumento, um vazio eternizado.

Em “Lizard”, a sonoridade pop ganha tons vibrantes e oníricos, com sintetizadores distorcidos, batidas envolventes e letras que remetem a memórias intensas: noites de dança sobre mesas, drinques derramados e olhares atraídos, sempre com a consciência de que suas ações podem ser mal interpretadas. “Dare” revela-se uma balada introspectiva, conduzida por riffs suaves de guitarra, onde Samia explora uma relação intensa e conflituosa. Enquanto isso, “Fair Game” mescla indie folk com violões delicados e melodias cristalinas, capturando um instante fugaz de felicidade.

“Spine Oil”, com seu folk rock pulsante, transmite resiliência e força, desafiando quem vê sua alegria como fragilidade. Já “Craziest Person”, com pouco mais de um minuto e nuances de autotune, é uma experimentação que evoca o universo de Bon Iver. Em “Sacred”, a artista questiona como o ódio pode ocupar mais espaço do que o amor jamais ocupou. “Carousel” começa íntima, com arranjos acústicos sutis, mas culmina em um clímax intenso, retratando uma relação marcada por cumplicidade e segredos.

O álbum se encerra com “Pants”, uma faixa não convencional e hipnótica que questiona: “quem eu era quando comprei essas calças? / elas não são reembolsáveis / agora estou questionando tudo o que sou”. Ao longo de seis minutos, a música explora a busca – muitas vezes frustrada – por uma versão idealizada de nós mesmos, apenas para revelar que essa identidade original talvez nunca tenha existido. É uma reflexão que pode nos fazer sentir como estranhos em nossa própria história, levando-nos a duvidar até das escolhas mais simples.

Maria UsbeckNaturaleza
(Cascine)

Naturaleza representa uma virada audaciosa na trajetória da artista equatoriana, reconhecida por sua capacidade de se reinventar. Explorando seu universo peculiar de pop excêntrico, Maria Usbeck preserva a visão contemplativa e questionadora que sempre definiu sua música. O registro, sucessor de Amparo (2016) – que contou com a coprodução de Caroline Polachek – e Envejeciendo (2019), surge depois do que a cantora chama de “uma pausa involuntária e artificial, que se estendeu por mais de um ano”. Esse intervalo a levou a se realinhar com os ritmos misteriosos, tranquilos e eternos da natureza.

O resultado criativo é a abordagem livre e onírica de Naturaleza, que remete às fantasias art-pop de Julia Holter e ao indie pop vibrante de nomes como Yumi Zouma. “Floating”, faixa que abre o disco, apresenta uma melodia hipnótica, com camadas de sintetizadores flutuantes, batidas suaves e o sax sedutor de Dan Scofield. Usbeck canta em inglês sobre liberdade e conexão com o mar, mas logo contrasta a narrativa com a crueldade da poluição, transformando a música num apelo emocionante pela preservação ambiental.

“Mar”, com seus versos em espanhol e uma batida mágica e contagiante, reforça a relação da artista com o oceano, simbolizando um rompimento com o passado e uma entrega poética ao presente. “Chao Sirena” começa com arranjos acústicos antes de mergulhar numa atmosfera eletrônica, enquanto os vocais delicados de Usbeck narram um encontro surreal com uma sereia nua e misteriosa. Em “Pink Lake”, a artista pinta a imagem melancólica de alguém distante, observando as águas rosas de um lago.

“Mantarraya” traz um pop sereno e envolvente, com sintetizadores alucinógenos, batidas sutis, acordes de violão, sons borbulhantes e a voz suave que descreve a dança das raias-manta no oceano. Em “Current”, acompanhada por um piano profundo e um baixo marcante, Usbeck reflete sobre alguém perdido em sua própria escuridão, enfrentando as consequências de suas escolhas.

“Hallucinations” combina eletrônica marcial com um piano jazzístico, criando a sensação de uma realidade que se desfaz, enquanto “Let Go” aceita o fim de um ciclo, transformando a dor da despedida em um renascimento. Naturaleza não só resume a jornada artística de Usbeck, mas também aponta para novos horizontes, propondo, em meio a um mundo em crise, uma reconexão urgente, mágica e curativa com a natureza.

TennisFace Down In The Garden
(Mutually Detrimental)

Após quinze anos de trajetória, Face Down In The Garden marca a despedida do duo de indie pop Tennis, formado pelo casal Alaina Moore e Patrick Riley. Eles confirmaram que este será seu último álbum de estúdio, encerrando um ciclo para abrir espaço a novos projetos. Com uma sonoridade que mistura pop rock nostálgico e doçura melancólica, o registro conta uma história sentimental com começo, meio e fim.

A abertura fica por conta de “At The Apartment”, uma balada com nuances de jazz ao piano, onde Moore alterna entre canto e sussurros, evocando memórias íntimas de antes do casamento – uma mistura de saudade, amor e a dor da passagem do tempo. Já “Weight Of Desire” combina batidas pulsantes, sintetizadores e um baixo marcante, criando uma atmosfera elegante dos anos 80, enquanto os vocais puros que relatam arrependimentos e a luta para manter o controle diante de sentimentos avassaladores.

Em “At The Weeding”, elementos de R&B e pop psicodélico se entrelaçam para retratar as reflexões de um convidado em meio a um casalmento, questionando seu próprio futuro amoroso. “Always The Same” expressa um anseio profundo por uma conexão única, enquanto a balada “Sister” explora uma relação introspectiva com alguém chamado Alison.

“Through The Mirror” mergulha na dualidade entre amor e solidão, e “I Can Only Describe” aborda a dificuldade de definir alguém amado — algo que só se revela na intimidade. Já “12 Blown Tires” – cuja letra deu nome ao álbum Face Down In The Garden – um pop suave e emocionante Alaina canta sobre lidar com o passado, amor intenso como um desastre natural e a repetição de fracassos, enquanto se busca significado em meio à nostalgia e à passagem implacável do tempo.

O álbum se encerra com “In Love (Release the Doves)”, uma composição repleta de sintetizadores atmosféricos, cordas vibrantes e harmonias vocais sem palavras, reconstruindo metaforicamente uma nova jornada pelo mar – uma ligação com o início da carreira da dupla e o disco de estreia, Cape Dory (2011), gravado inteiramente inspirado por uma viagem de barco que o casal fez pela costa leste dos EUA – sem rumo definido, mas repleta de serenidade.

Bells LarsenBlurring Time
(Royal Mountain Records)

Em Blurring Time, o canadense Bells Larsen constrói uma obra singular, mesclando deliberadamente passado e presente em sua trajetória como homem trans. Transitando entre o indie lo-fi dos anos 90 e baladas folk introspectivas, o projeto evoca influências de artistas como Elliott Smith, Sufjan Stevens e Adrienne Lenker, com vocais que soam como memórias cristalizadas no tempo.

Alinhado à sua transição, Larsen registrou sua voz pré-testosterona em 2022, aguardou as mudanças hormonais e, então, convidou a cantora Georgia Harmer para compor harmonias adaptadas à sua nova voz grave. O resultado é uma fusão entre seus “eus” anterior e atual — um gesto multilíngue e intencional de entrega à metamorfose.

Na faixa-título, um indie folk que alterna vocais gravados antes e depois da transição, o artista tece uma reflexão intensa sobre identidade, incertezas e a busca por autodefinição além dos limites sociais. Já em “514-415″, ele aborda a permanência do amor em relacionamentos que atravessam a transição, enquanto “The Way the Wind Blows”, captura a solidão e a melancolia de um recomeço.

Duas canções em francês, “Calme incertain” e “143”, destacam-se pelas melodias acústicas de violão dedilhado: a primeira trata a dificuldade de pertencimento e a transição; a segunda, de um amor que oferece refúgio e significado. Em “Questions”, Larsen dirige perguntas nostálgicas a seu “eu” passado, mergulhando em diálogos íntimos sobre medo do envelhecimento, desconexão emocional e a construção da identidade.

“My Brother & Me” compara a masculinidade performada por seu irmão adolescente com sua própria redescoberta, questionando que tipo de homem emergirá de sua “segunda puberdade”. O álbum se encerra com “Might”, uma canção confessional escrita antes da transição, onde o artista especulava sobre o futuro que o aguardava. Combinando vocais agudos e graves, a faixa sintetiza seu estilo único no indie folk.

Diferente de trabalhos anteriores, em que as vozes funcionavam como camadas sutis, Blurring Time as coloca no centro, entregando uma declaração poderosa e inabalável. Movido pela ideia de que apenas existir já é um ato político, o disco investiga os modos como inventamos a nós mesmos – em um constante processo de transformação.

Maria SomervilleLuster
(4AD)

Luster, o segundo álbum da irlandesa Maria Somerville, simboliza seu retorno às origens, à região de Connemara, depois do lançamento de All My People (2019) e de anos vivendo em Dublin. Influenciada pelas paisagens de sua infância, a artista combina guitarras reverberantes, sintetizadores imersivos, gravações ambientais sutis e harmonias vocais nostálgicas, construindo uma atmosfera dream pop e digna de partilhar o universo de Angelo Badalamenti, com letras que exploram solidão, amor e a passagem do tempo. Enquanto seu trabalho anterior carregava um tom melancólico e cheio de saudade, Luster revela uma artista mais confiante em suas escolhas e na pessoa que se tornou, como canta em “Trip”: “posso ver mais claramente do que antes / agora sei o que é verdadeiro para mim”.

O álbum abre com “Réalt”, uma névoa sonora que prepara o terreno para dar o tom da obra. “Projections” é um shoegaze melancólico com um ritmo tranquilo, baixo pulsante e guitarras delicadas, enquanto a voz serena de Somerville retrata a confusão entre memórias idealizadas e a realidade de um amor perdido. “Garden” apresenta camadas densas nas cordas e sintetizadores, evocando Cocteau Twins e The Cure, em uma reflexão sobre o tempo e a busca por significado.

“Corrib”, em homenagem ao lago onde a artista passou sua infância, é uma declaração de amor às origens, às memórias afetivas e ao sentimento de pertencimento ao som de cordas cadenciadas, sintetizadores difusos e vocais etéreos (“e mesmo nas horas mais sombrias / eu ainda aprecio você”). Já “Spring” mistura guitarras acústicas distorcidas e batidas de trip hop, capturando a tensão entre deixar o passado para trás e abraçar o novo.

“Stonefly” é uma valsa ambiente, inspirada nas paisagens da juventude da artista, com sintetizadores vaporosos, batidas fluidas e harpas celestiais. “Flutter”, um interlúdio sombrio, combina um órgão grandioso, violinos arrepiantes e vocais sussurrados que criam uma sensação de suspense. Já em “Up”, o desespero se transforma em uma canção de ninar envolta em névoa, encontrando lampejos de esperança mesmo na escuridão. O álbum se encerra com “October Moon”, um retrato cru da solidão, onde o som das ondas, guitarras difusas e vocais suaves criam uma ambientação introspectiva. Luster é, ao mesmo tempo que denso e tranquilo, conectado às raízes de Somerville. Suas paisagens, memórias e gravações ao ar livre se fundem em uma obra que traduz a natureza e as recordações em som.