Elza Soares clama por justiça no poderoso álbum póstumo ‘No Tempo da Intolerância’

Elza Soares / Daryan Dornelles

A icônica Elza Soares, a cantora eleita como a Voz do Milênio, sempre foi incansável, amando trabalhar, criar e cantar, sempre com uma nova ideia em mente antes mesmo de concluir seu projeto atual.

Em No Tempo da Intolerância, que começou a ser concebido enquanto a artista finalizada Planeta Fome, sua ideia era criar um álbum baseado no soul e no funk dos anos 1970, com influências do afrobeat de Fela Kuti e dos bailes charme do Rio de Janeiro. Além disso, era importante para ela trazer compositoras mulheres, e durante a pesquisa de repertório, ouviu muitas músicas e recebeu outras composições especialmente feitas para esse momento.

“Um dia eu sonhei que teria um país melhor e teria um momento menos cruel do que aquele de 1970, que eu conheci muito bem, foi muito amargo / então a gente fica muito amedrontado, pedindo pra que a gente possa ver um momento melhor. Mulheres assassinadas, a justiça por favor. Aonde o negro vai chegar? Aonde a mulher vai chegar? A gente não sabe. É muito duro a gente ficar nessa certeza do amanhã (…) eu nunca disse que a luta tinha terminado”, adverte Elza Soares na introdução de No Tempo da Intolerância ao traçar um paralelo entre a ditadura militar e o governo neofascista de Jair Bolsonaro.

As letras são fragmentos retirados do diário pessoal da artista, contendo citações e ideias expressas de várias maneiras, além de trechos de textos escritos por Elza enquanto ela ainda estava viva. Na faixa-título, Elza canta os tempos sombrios vividos e o sentimento de inconformismo no Brasil nos últimos anos, com versos como: “acordou com o pé esquerda tem que ir pra Cuba / a camisa do Brasil é coisa de fascista / mulher que faz o que quer é chamada de puta / homem que casa com homem chamado de bicha / tá todo mundo atirando pedra / com a vida cheia de pecado / cada um fazendo a sua regra / ninguém mais pode pensar ao contrário (…) como dizia Luther King / se você quer um inimigo é só falar o que pensar”.

A cantora e compositora Pitty, com quem ela já havia composto e gravado o single “Na Pele”, escreveu a funk “Feminelza” especialmente para ela. Rita Lee enviou a música “Rainha Africana”, com uma letra que exalta a trajetória de Elza, contendo versos como “vista como nega maluca, uma preta lelé da cuca / e agora é rainha africana, brasuca sul-americana”, acompanhada por uma melodia conduzida por cordas épicas. Josyara contribuiu com “Mulher Pra Mulher (A Voz Triunfal)”, que ganhou um texto introdutório de Elza. A artista também se encantou com “Quem Disse?”, de Isabela Moraes e incluiu no repertório deste álbum que aborda temas como feminismo, empoderamento, negritude, pobreza, política, desigualdade social, entre outros.

Além delas, há uma melodia de Dona Ivone Lara com letra escrita por Elza em parceria com Pedro Loureiro, na música de samba funk “No Compasso da Vida”. No entanto, a música favorita da artista era “Coragem”, um afrobeat composto pela artista com versos como: “se você é preto / coragem, meu bem / porque o medo da morte / leva a vida também”.

Elza, “A Mulher do Fim do Mundo”, sempre afirmou que cantaria até o fim. Ela faleceu aos 93 anos, em janeiro de 2022, mas sua voz continuará ecoando, servindo de exemplo para um novo começo do mundo para muitas gerações.

O projeto apresenta clipes produzidos por inteligência artificial, com o objetivo de retratar as várias facetas da cantora em diferentes momentos de sua carreira. Um aspecto destacado será a frase que ela apreciava: “Não Ter Idade, e sim Tempo”.